quinta-feira, 26 de julho de 2012

A habitação, uma condição para a liberdade


Foto de Sandra Bernardo

É vergonhoso o que está acontecer às pessoas do Bairro de Sta Filomena. A elas, e a todas as pessoas que estão a perder as suas casas, vítimas de um política de habitação assente na especulação e não nos direitos das pessoas.

A Constituição da República Portuguesa (CRP) é bem clara:
Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. 
(Artº 65º).

Também Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais[1] reconhece que
o ideal do ser humano livre, liberto do medo e da miséria não pode ser realizado a menos que sejam criadas condições que permitam a cada um desfrutar dos seus direitos económicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos (Preâmbulo)

e estabelece
o direito de todas as pessoas a um nível de vida suficiente para si e para as suas famílias, incluindo alimentação, vestuário e alojamento suficientes, bem como a um melhoramento constante das suas condições de existência. (Artº 11º)

A CRP foi escrita numa processo constituinte construído por um país que decidiu não passar um pano branco sobre décadas de miséria, de medo e muita repressão. Entendeu-se que não há liberdade com fome, nem há pão que aplaque o medo. Foi escrita em 1975 e foi embalada, mesmo que de forma diferida, pelo movimento de institucionalização dos direitos humanos que marcou Europa do pós-guerra.  

Nem meio século depois e, por todo o mundo, a habitação tornou-se objecto de especulação em mercados intoxicados e é hoje uma das nossas principais dores de cabeça: de dia para dia, crescem o número de pessoas que perdem a sua casa, movimento que se dá num ritmo desconcertante. Mais do que nunca, em tempo de austeridade e de desemprego, despejar pessoas sem garantir alternativa não é aceitável, não é admissível.

É urgente a nossa actuação. 
É a vida e a liberdade de mais de 280 pessoas que está em jogo, hoje, no Bairro de Santa Filomena.


[1] Adoptado e aberto à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de Dezembro de 1966. Entrada em vigor na ordem internacional: 3 de Janeiro de 1976, em conformidade com o artigo 27.º. O Pacto foi adoptada pelo Estado Português nesta altura e entrou em em vigor na ordem jurídica portuguesa a 31 de Outubro de 1978.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

A primavera segundo o Banco de Portugal


...A natureza estocástica do processo de emparelhamento de trabalhadores e empresas conduz necessariamente a um desejável processo de tentativa e erro. Este ensaio salientou as virtudes de um enquadramento legislativo que distribuísse de forma mais uniforme os custos de ajustamento entre todos os trabalhadores, reduzisse a incerteza para os intervenientes no mercado e assim promovesse a formação de relações laborais produtivas e duradouras. A receita final dependerá dos intervenientes, mas os ingredientes devem ser escolhidos na disciplina do mercado. Trabalhadores e empresas devem sustentar o seu comportamento em mecanismos de reputação, baseados no mercado, e compatíveis com os seus incentivos.



In Centeno, M. e Novo, A. (2012), “Segmentação”, Boletim Económico Primavera 2012, Vol. 18 nº 1, 7-30. Lisboa, Banco de Portugal: EUROSISTEMA, Disponível em http://www.bportugal.pt/pt-PT/EstudosEconomicos/Publicacoes/BoletimEconomico/Publicacoes/bol_primavera_p.pdf


Estas ideias estão na moda nas escolas e grandes instituições económicas. São apresentadas numa linguagem inacessível e como verdades absolutas, acima da democracia, dos nossos  direitos, e da nossa capacidade de decisão. Não podemos aceitar que nos roubem a nossa liberdade, pela elitização da discussão sobre as grandes decisões de política económica que, na prática, afectam o nosso dia-a-dia, a nossa vida e, até, a nossa sobrevivência.

Vejamos então...

Estocástica, diz-se dos processos que não estão submetidos
senão a leis do acaso. Ou seja, os mercados de trabalho funcionam
como uma roleta russa e arranjar emprego é uma questão de “sorte”.
(e, pelo sim, pelo não, é sempre bom que o acaso não seja azarado
para o capital por isso nada como uma mãozinha dos governos)

A ideia vem da teoria macroeconómica do ajuste, com grande influência na economia do trabalho,
 mas também usada para descrever outras relações humanas como o casamento. 
A teoria teve tanto sucesso em tempo de crise que deu direito, em 2010,
 a prémio nóbel da economia. Neste estudo do Banco de Portugal, 
parte-se do princípio de que trabalhador/a e patronato são partes iguais da relação laboral.
Considera-se que, para que esta seja “bem sucedida”, é necessário 
um processo de tentativa e erro (ou seja, contrata, despede, contrata, despede....) 
e se a relação for rentável (resta saber para quem, caso contrário, 
as partes decidem mudar de parceiro no mercado de trabalho.”

É reconhecida a segmentação do mercado de trabalho português
[na prática, de um lado, trabalho precário, de baixos salários e onde os/as desempregados/as
têm a função de “exército de reserva” do mercado; do outro, emprego mais protegido].
Aqui defende-se que os custos do ajustamento (leia-se austeridade e restruturação económica)
devem ser divididos por todos os trabalhadores - nunca pelo patronato, muito menos pelo capital.
Que venha um novo código do trabalho, dizem eles.

Assim se celebra a igualdade de oportunidades: ou a precariedade ou o desemprego.

E isto é a primavera para o Banco de Portugal...


sábado, 12 de maio de 2012

PPC e o desemprego

PPC mostra-se feliz por dar à população portuguesa uma oportunidade para mudar de vida.
Passamos a ter livre escolha para passar fome.
Uma oportunidade para conseguir um trabalho precário.
Uma possibilidade para conseguir um salário cuja remuneração passe a ser menos de metade.
Uma esperança para passar a dormir na rua por não se poder pagar a renda da casa ou o empréstimo contraído.
A alegria que se sente em não conseguir dar o essencial aos filhos.
O júbilo por não poder apoiar nem visitar os pais que moram sozinhos.
O contentamento por não poder pagar os transportes para procurar trabalho, ver a sua família, estar com amigos ou simplesmente participar numa qualquer actividade da sociedade.
O entusiasmo por ouvir o amado líder do país garantir que ainda vai ficar tudo pior.
O agrado por ver confirmado que graças à fé em que é necessário empobrecer se facilita o despedimento.
O regozijo por ver que somos cada vez mais aqueles que estão desesperados.
A possibilidade de acabar com o sofrimento devido à fúria dos miseráveis.
A oportunidade para obrigar os que nos colocaram nesta situação e os que a mantêm a perder tudo e usar essa riqueza para que todos possamos trabalhar.
Obrigado, PPC.

sábado, 5 de maio de 2012

The Hunger Games - Os Jogos da Fome

No futuro, após uma grande fome, há um país que se divide em 12 distritos. Todos os anos são escolhidos dois jovens de cada distrito para lutar entre si até que só um sobreviva. Isto seria uma forma de recordar a fome que todos tinham passado. À medida que o filme se vai desenvolvendo, percebe-se que estamos perante uma sociedade feudal, em que os habitantes de cada distrito não podem abandonar a terra onde vivem, têm condições de vida miseráveis e têm que trabalhar sempre. Há guardas armados que mantém permanentemente a ordem. Não se identifica qualquer igreja, mas há um grande ecrã de televisão que interpreta a realidade. Quem assiste o filme sente uma repulsa por os protagonistas não se rebelarem contra o sistema em que vivem já que em nenhum momento ele é questionado. Sendo um filme norte-americano, espera-se a todo o momento o desenvolver do clássico happy ending. E ele aparece. Mas não com a esperada queda do sistema. O casal sobrevivente aprende a cumprir com o seu papel para as câmaras de televisão e regressa ao seu distrito.
Numa primeira leitura, o filme parece incentivar a passividade, a aceitação da vida que nos tocou, de aceitar que a maioria da população será sacrificada e que o melhor que cada um tem a fazer é ser esperto e aproveitar-se das situações e tentar sobreviver à custa dos outros. Numa segunda leitura, poderá fazer-nos questionar se não estaremos na mesma situação que os personagens do filme: se em vez de individualmente procurar sobreviver não deveríamos antes questionar o sistema em que vivemos e lutar contra ele. Numa terceira leitura, apercebemo-nos que tudo aquilo que observamos e sentimos é simultaneamente bom e mau, e que nos cabe a nós, em conjunto, escolher o que fazer com a nossa vida.

terça-feira, 17 de abril de 2012

A ferramenta errada

Rebentou. Foi-se a correr ajudar porque eram demasiado grandes para cair. Decidiram que tínhamos que reactivar a economia. Mas em vez de cobrar impostos a quem lhe sobrava, contraíram mais empréstimos. Veio a Troika, e começaram os cortes, aproveitaram para mudar drasticamente a sociedade, coisa que sempre tinham querido fazer. E dizem-nos agora que temos todos que empobrecer. Não quem criou o esquema da D.Branca, mas todos.

Parece aquele gajo que estava permanentemente com o martelo a bater com toda a força no dedo grande do pé. Como aquilo lhe estava a doer e a esvair-se em sangue, com os ossos partidos, achou que devia fazer alguma coisa. Então, em vez de deixar de se aleijar e largar o martelo, pegou no serrote e cortou o pé.