sexta-feira, 17 de setembro de 2010

pressão sobre quem tem trabalho, ostracismo relativamente a quem não tem

Hoje, serão mais de 700 mil as pessoas sem emprego em Portugal, situação que, tudo indica, tenderá a manter-se ou a agravar. Não estão previstas nem estão a ser implementadas medidas de criação de emprego. Antes pelo contrário, o que está previsto é a facilitação dos despedimentos, o aumento dos impostos, a diminuição do investimento público e o congelamento dos concursos para a função pública. A crise está para durar e quem tem menos rendimentos, ou quem simplesmente não os tem, é bode expiatório de um populismo que usa a demagogia da austeridade, da estabilidade, para manter os privilégios de uns/umas, e promover o ataque dos direitos de outros/as. 

Depois das regras do subsídio de desemprego terem apertado, o valor do subsídio de desemprego vai diminuir. Dizem que é um incentivo para começar a trabalhar, mas é a pressão para aceitar qualquer trabalho, com baixos salários, a recibos verdes, trabalho precário, de usar e deitar fora. À restrição do subsídio, soma-se a acusação de preguiça: quem está desempregado sente na pele um ataque de direitos e de dignidade que há muito que não se via. O ambiente social é de pressão sobre quem tem trabalho, e de ostracismo relativamente a quem não o tem. O clima geral é o da promoção do medo, do salve-se quem puder, da acomodação.

Quem está no desemprego sabe o quanto isso custa. São as candidaturas sem resposta. São as entrevistas que não dão em nada. São as propostas de trabalho em condições indecorosas. Quase sempre precárias. São as idas ao centro de emprego que não dão em nada. São os projectos de vida a se desfiarem, dia após dia. Os projectos que não se vão realizar. Os projectos que não se realizaram. Ou o direito a uma reforma digna que cada vez mais parece ser impossível alcançar. Quem está com subsídio de desemprego vai-se habituando à ideia de que está sobre suspeita. Com tanta fiscalização alguma coisa terá feito ou estará para fazer. Sabe que com o Centro de (Des)Emprego não pode contar para arranjar emprego, mas tem de picar o ponto. E tem sempre que contar os tostões que mal dão para hoje e que podem acabar já amanhã. 

Para quem não tem subsídio de desemprego, é a dependência dos pais, do marido, da mulher, da companheira, do companheiro, dos filhos, das filhas, das amizades. Se não tem nada disto, é o desespero completo, ou o recurso às instituições de apoio social. É não saber como vai pagar as contas, é não saber o que vai comer hoje. Sabe que está à procura de uma agulha no palheiro, mas mesmo assim sente-se olhado/a como se o problema fosse a preguiça e o comodismo, a vontade de nada fazer e a inércia de nada mudar. E cada vez mais o discurso vigente é: OK, pode não ser preguiça, mas quem está no desemprego algum problema terá. Na melhor das hipóteses, a culpa não é sua - simplesmente é menos capaz. Será que temos de aceitar este discurso? Tende-se a considerar o desemprego uma experiência transitória, tão breve que não permite a construção de identidade comum e acção colectiva. Será essa a tendência actual?

1 comentário:

  1. Olá, concordo plenamente com o texto. Para mim um dos aspectos mais graves, é que o discurso vigente sobre os beneficiários de rendimentos sociais, está a ter eco até no extracto social mais baixo,onde de um dia para o outro, o que estava relativamente remediado, pode passar para o lado dos que criticava mas ele ainda não compreendeu isso . O dito povo deste país, não sei se alguma vez teve a capacidade de separar situações e não generalizar, o certo é que hoje isso não acontece.Tudo é generalizada, todos são metidos no mesmo saco, e cada vez menos as pessoas demonstram capacidade para fazerem uma análise pessoal das situações. Esta situação, para mim, é muito grave, pois escasseiam pessoas com as quais se possa partilhar e desenvolver um pensamento critico sobre, neste caso o desemprego. Por isso,todas as iniciativas em prol de dar a conhecer às pessoas realidades diferentes ou até nem tanto,é sempre de louvar e apoiar. Um abraço

    ResponderEliminar