domingo, 1 de janeiro de 2012

Ano novo, vida que se quer nova

Tentar entender porque razão se foi permitindo que tudo aquilo que se construiu no pós-guerra fosse sendo lentamente destruído é talvez o mais importante para poder criar linhas de intervenção e principalmente delinear um ou dois desígnios que um movimento de desempregados possa enunciar e que se tornem mobilizadores e agregadores de desempregados, biscateiros, precários, trabalhadores a tempo completo e outros excluídos ou pilha galinhas.

(Aconselha-se o leitor a sentar-se de forma cómoda, pois serão deduzidas ideias que poderão ferir algumas susceptibilidades).

A Segunda Guerra foi tão traumática que o mundo ficou cristalizado devido ao temor a que isso se repetisse. O mundo ficou dividido em duas partes antagónicas.
Por um lado,
(1) a eficácia do Comunismo de Guerra tornou a antiga URSS dos anos 50 a potencia espacial mundial. Foi tão eficaz que Kennedy necessitou de apresentar como um desígnio nacional a superação da União Soviética e assim usou o estado para colocar um homem na Lua. Acontece que o Comunismo de Guerra foi cedendo e os soviéticos passaram a descansar e a gozar do esforço realizado sem no entanto se ter aumentado significativamente o esforço na produção de bens de consumo. De tal forma que nos fins da década de 80, Moscovo parecia uma cidade que tinha parado no tempo e que funcionava correctamente segundo padrões do pós-guerra mas que deixava algo a desejar para quem de fora a visse e principalmente para quem lá tinha que viver.
Por outro lado,
(2) os EUA com o seu New Deal estendido ao resto do mundo que tinha sido destruído, tornou-se até 1970 o estaleiro desse mundo, produzindo aquilo que o resto do mundo destruído em reconstrução necessitava na condição que os ganhos obtidos fossem retornados aos EUA. Era tal a necessidade que os Estados Unidos absorviam todos os excedentes mundiais existentes, fossem estes humanos ou de capital. Por isso, todos os ganhos de produtividade eram espelhados nos salários dos norte-americanos. Entretanto, a reconstrução fica concluída e os reconstruídos passaram a competir, a mulher entra no mercado de trabalho e há o advento da cibernética e o consequente aumento da produtividade (note-se que se entende produtividade como a quantidade de bens que uma pessoa produz num determinado período, e não a taxa de lucro que uma pessoa gera com o seu trabalho num determinado período). O sistema começou a deixar de funcionar.

E porquê? Observemos a relação entre as taxas de aumento da produtividade e as taxas de aumento da população. Nota-se que a taxa de produtividade é sempre superior à taxa de aumento da população. Este facto será positivo se houver alguma parte da população que não tenha as necessidades satisfeitas e simultaneamente não sobre nada à outra parte da população. Havendo uma distribuição equitativa, mantendo-se a taxa de aumento de produtividade superior à taxa de aumento da população, chegará o momento em que todos terão as suas necessidades satisfeitas. Acontece que a partir desse instante começará necessariamente a existir excedentes de produtos. Além dos problemas ambientais que isso implica fica evidente que isso cria tensões entre a população, pois o recurso escasso passou a ser a quantidade trabalho necessária para a satisfação das necessidades da população e não os produtos necessários para a população, ou o seu equivalente monetário. Daqui deriva uma primeira heresia: o problema de falta de trabalho não se resolve cada um trabalhando mais, mas pelo contrário, cada um trabalhando menos, para que desta forma o trabalho necessário chegue para todos. Ou seja, cada um deve trabalhar menos em termos médios, mas sem diminuição de salário individual o que obriga a uma diminuição do lucro de capital. Com o volume de dinheiro que foge legalmente da obrigação de contribuir para o bem-estar de todos, bastaria que se taxasse fortemente os movimentos de capitais. Poderia afirmar-se que sendo esta uma época excepcional (em rigor, só é excepcional porque uma minoria convenceu os restantes que era bom que eles não pagassem impostos), em que todos têm que fazer sacrifícios, quem mais deverá participar na resolução do problema será precisamente aquele a quem mais lhe sobra, já que lucro não reinvestido em actividades produtivas é excedente que não pôde ser gasto e portanto deve ser absorvido por impostos ou gasto na compra de bónus do tesouro. Esta é a segunda heresia.

Mas como criar postos de trabalho? Parece quase evidente: as terras estão sem cultivar, as fabricas deixaram de produzir. Os privados não assumem esse desafio, seja por não saber, seja por não poder ou seja por não querer. Deve ser então dada palavra ao Estado. E esta é terceira heresia. É incompreensível que um governante assista passivamente ao desarticular da sociedade. Já não está em questão se privado é melhor que público, ou se público é mais barato que privado. O que está em questão é a sobrevivência da sociedade. Só dogmas ideológicos é que impedem que não seja o Estado a fazer o que privados não querem, não podem ou não sabem fazer. A realidade é a que é. Se há gente parada em casa e necessidades essenciais não satisfeitas, é dever do Estado suprir essas necessidades. Desejável será que o Estado promova entidades geridas pelas próprias pessoas que executem essas funções, pois estas serão as principais interessadas em fazer o necessário para a manutenção do seu posto de trabalho, reduzindo assim ao máximo a parcela do lucro mas mantendo o seu salário, contrariando assim a pratica corrente. É a quarta heresia.

Dir-se-á que estas quatro heresias são desligadas da realidade actual. É verdade. Acontece que a realidade actual não apresenta nenhuma solução para os problemas actuais, e muito menos para quem está desempregado. Pior, porque o que nos é prometido é um degradar acelerado das condições correntes. É por isso que se requerem soluções diferentes. É que há pessoas que o único caminho é roubar, mendigar ou morrer. Talvez nem fosse grave se não houvessem crianças inocentes pelo meio. Isto evidentemente assume que é posta de parte a solução violenta ou insurrecional.

Documento escrito a tinta de álcool.

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