Tentar entender porque razão se foi permitindo que tudo
aquilo que se construiu no pós-guerra fosse sendo lentamente destruído é talvez
o mais importante para poder criar linhas de intervenção e principalmente delinear
um ou dois desígnios que um movimento de desempregados possa enunciar e que se
tornem mobilizadores e agregadores de desempregados, biscateiros, precários,
trabalhadores a tempo completo e outros excluídos ou pilha galinhas.
(Aconselha-se o leitor a sentar-se de forma cómoda, pois serão deduzidas ideias que poderão ferir algumas susceptibilidades).
(Aconselha-se o leitor a sentar-se de forma cómoda, pois serão deduzidas ideias que poderão ferir algumas susceptibilidades).
A Segunda Guerra foi tão traumática que o mundo ficou
cristalizado devido ao temor a que isso se repetisse. O mundo ficou dividido em
duas partes antagónicas.
Por um lado,
Por um lado,
(1) a eficácia do Comunismo de Guerra tornou a antiga URSS dos
anos 50 a
potencia espacial mundial. Foi tão eficaz que Kennedy necessitou de apresentar
como um desígnio nacional a superação da União Soviética e assim usou o estado
para colocar um homem na Lua. Acontece que o Comunismo de Guerra foi cedendo e
os soviéticos passaram a descansar e a gozar do esforço realizado sem no
entanto se ter aumentado significativamente o esforço na produção de bens de
consumo. De tal forma que nos fins da década de 80, Moscovo parecia uma cidade
que tinha parado no tempo e que funcionava correctamente segundo padrões do
pós-guerra mas que deixava algo a desejar para quem de fora a visse e
principalmente para quem lá tinha que viver.
Por outro lado,
(2) os EUA com o seu New Deal estendido ao resto do mundo
que tinha sido destruído, tornou-se até 1970 o estaleiro desse mundo,
produzindo aquilo que o resto do mundo destruído em reconstrução necessitava na
condição que os ganhos obtidos fossem retornados aos EUA. Era tal a necessidade
que os Estados Unidos absorviam todos os excedentes mundiais existentes, fossem
estes humanos ou de capital. Por isso, todos os ganhos de produtividade eram
espelhados nos salários dos norte-americanos. Entretanto, a reconstrução fica
concluída e os reconstruídos passaram a competir, a mulher entra no mercado de
trabalho e há o advento da cibernética e o consequente aumento da produtividade
(note-se que se entende produtividade como a quantidade de bens que uma pessoa
produz num determinado período, e não a taxa de lucro que uma pessoa gera com o
seu trabalho num determinado período). O sistema começou a deixar de funcionar.
E porquê? Observemos a relação entre as taxas de aumento da produtividade e as
taxas de aumento da população. Nota-se que a taxa de produtividade é
sempre superior à taxa de aumento da população. Este facto será positivo
se houver alguma parte da população que não tenha as necessidades
satisfeitas e simultaneamente não sobre nada à outra parte da população.
Havendo uma distribuição equitativa, mantendo-se a taxa de aumento de
produtividade superior à taxa de aumento da população, chegará o momento
em que todos terão as suas necessidades satisfeitas. Acontece que a
partir desse instante começará necessariamente a existir excedentes de
produtos. Além dos problemas ambientais que isso implica fica evidente que isso cria tensões entre a população, pois o recurso escasso passou a ser a quantidade trabalho necessária para a satisfação das necessidades da população e não os produtos necessários para a população, ou o seu equivalente monetário. Daqui deriva uma primeira heresia: o problema de falta de trabalho não se resolve cada um trabalhando mais, mas pelo contrário, cada um trabalhando menos, para que desta forma o trabalho necessário chegue para todos. Ou seja, cada um deve trabalhar menos em termos médios, mas sem diminuição de salário individual o que obriga a uma diminuição do lucro de capital. Com o volume de dinheiro que foge legalmente da obrigação de contribuir para o bem-estar de todos, bastaria que se taxasse fortemente os movimentos de capitais. Poderia afirmar-se que sendo esta uma época excepcional (em rigor, só é excepcional porque uma minoria convenceu os restantes que era bom que eles não pagassem impostos), em que todos têm que fazer sacrifícios, quem mais deverá participar na resolução do problema será precisamente aquele a quem mais lhe sobra, já que lucro não reinvestido em actividades produtivas é excedente que não pôde ser gasto e portanto deve ser absorvido por impostos ou gasto na compra de bónus do tesouro. Esta é a segunda heresia.
Mas como criar postos de trabalho? Parece quase evidente: as
terras estão sem cultivar, as fabricas deixaram de produzir. Os privados não
assumem esse desafio, seja por não saber, seja por não poder ou seja por não
querer. Deve ser então dada palavra ao Estado. E esta é terceira heresia. É
incompreensível que um governante assista passivamente ao desarticular da
sociedade. Já não está em questão se privado é melhor que público, ou se público
é mais barato que privado. O que está em questão é a sobrevivência da
sociedade. Só dogmas ideológicos é que impedem que não seja o Estado a fazer o
que privados não querem, não podem ou não sabem fazer. A realidade é a que é. Se há gente parada em
casa e necessidades essenciais não satisfeitas, é dever do Estado suprir essas
necessidades. Desejável será que o Estado promova entidades geridas pelas
próprias pessoas que executem essas funções, pois estas serão as principais
interessadas em fazer o necessário para a manutenção do seu posto de trabalho,
reduzindo assim ao máximo a parcela do lucro mas mantendo o seu salário, contrariando
assim a pratica corrente. É a quarta heresia.
Dir-se-á que estas quatro heresias são desligadas da realidade
actual. É verdade. Acontece que a realidade actual não apresenta nenhuma
solução para os problemas actuais, e muito menos para quem está desempregado.
Pior, porque o que nos é prometido é um degradar acelerado das condições
correntes. É por isso que se requerem soluções diferentes. É que há pessoas que
o único caminho é roubar, mendigar ou morrer. Talvez nem fosse grave se não
houvessem crianças inocentes pelo meio. Isto evidentemente assume que é posta de parte a
solução violenta ou insurrecional.
Documento escrito a tinta de álcool.
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